13 julho 2011


Era 1942. Eu tinha 12 anos e me realizava campeando gado com os nossos vaqueiros no topo da Chapada do Araripe, do Saco, onde meu avô tinha 800 reses soltas no larga da serra e meu pai 300 reses! Quatro bons vaqueiros bem montados e arreados cuidavam do gado. Eu sempre os acompanhava no meu cavalo “Roxo”.
Um belo dia de sábado, descemos para o João Vieira levando 200 reses para soltar no sertão. Meu pai na guia da manada, eu no coice e de cada lado dois vaqueiros: José Félix, José Isidio, José Raimundo e José Gabriel que só viviam desta profissão e sorteavam bezerros de 4 um, isto é: de cada 4 bezerros nascidos, um era do vaqueiro, mais rendosa atividade de uma fazenda à época. Pois bem, a viagem ia serena e animada, com o tilintar dos chocalhos, o aboio dos vaqueiros e o berro dos bezerros! Uma animação danada! Ao atingirmos o lambedouro doMulungu onde o gado parava espontaneamente para lamber a terra salgada do lambedouro, satisfazendo às suas carências de sais minerais, um touro mestiço, dono exclusivo do pedaço, inopinadamente, esturra, com as patas cava o chão e retorce as moitas com os chifres. Toda a manada o imita com igual fúria! Paramos todos! O vaqueiro José Félix, sempre muito místico, tira o seu chapéu de couro e o coloca no peito! O silêncio humano é total! A algazarra do gado é contagiante e o seuurro langoroso é nostálgico.
Depois de alguns minutos, o touro toma a dianteira da manada que o acompanha na direção do João Vieira. Só aí descobrimos a causa de tudo aquilo: era o esqueleto recente de uma rês que morreu ali no Lambedouro do Mulungu!
Fiquei estático diante da grandeza daquele espetáculo natural! Pena que não houvesse na época gravador para captar a grandeza até musical do “choro do gado”. Sinceramente, nunca ouvi humanos chorarem tão
convulsivamente os seus mortos. Sim, a natureza tem das suas!
Barbalha, 03/07/2011
Napoleão Tavares Neves
(Assinado em baixo).

1 comentários:

Marcos disse...

Napoleão,

acompanhei com muita atenção a descrição que você fez sobre o comportamento do touro e do gado, durante a travessia do Saco ao João Vieira. Isso também ocorre com outros bichos, principalmente com elefantes. Eu me senti como se estivesse junto de vocês naquela caravana, pois você conseguiu transmitir toda a tua emoção e o respeito que tiveram com o sentimento dos bichos. Ficou
uma descrição primorosa, mas para entender e não confundir com ficção
precisa ter vivências específicas como é o nosso caso. Para mim, trata-se de um clássico da literatura nordestina.

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